O campo da medicina percorreu um longo caminho desde o uso da heroína como remédio para a tosse ou a terapia magnética para melhorar o fluxo sanguíneo. Esses métodos desatualizados foram colocados de lado décadas atrás. Mas há muitas práticas medicinais antigas que resistiram ao teste do tempo. Na verdade, muitos dos produtos farmacêuticos que salvam vidas hoje são derivados de plantas primeiramente descobertas por comunidades indígenas.
A etnobotânica é o estudo científico do conhecimento tradicional da planta. Através dela conhecemos a morfina, a aspirina e a efedrina, para citar alguns. E ainda há um potencial inexplorado.
Em um artigo publicado em Trends in Biotechnology, o candidato a doutorado em química da Northeastern University, John de la Parra, descreveu um novo campo chamado “etnofitotecnologia” – o qual denomina o uso da biotecnologia vegetal para melhorar o processo de descoberta de drogas com base em plantas.
“Novos métodos de produção, de engenharia e de análise tornaram mais fácil lidar com os desafios científicos que os medicamentos derivados de plantas tradicionalmente utilizadas enfrentam”, afirmou de la Parra. “Temos a esperança que, à medida que o campo se expande, riquezas do conhecimento indígena podem encontrar proeminência nas plataformas inovadoras de descoberta e produção de drogas.”
Em colaboração com Cassandra Leah Quave, uma etnobotanista médica na Emory University, de la Parra examina as vastas oportunidades da etnobotânica e da etnofitotecnologia para promover a descoberta de novas drogas e resolver desafios de saúde. Aqui, ele e Quave mergulham mais profundamente em seu artigo recente:
Você mencionou que o conhecimento tradicional da planta tem sido a base de alguns medicamentos importantes. Você poderia compartilhar alguns exemplos?
de la Parra: As plantas nos forneceram alguns dos nossos medicamentos mais antigos e mais importantes e há inúmeros exemplos, da aspirina ao medicamento de quimioterapia Paclitaxel, atravessando culturas em todo o mundo. Historicamente, praticar medicina ou farmácia geralmente significava, em algum aspecto, ser um botânico. Um lugar interessante para se começar é olhando doenças que sabemos que existiam no mundo antigo e ainda persistem hoje. Tomemos a malária, por exemplo. Um extrato da casca da árvore de Cinchona era tradicionalmente usado para tratar vítimas dessa doença parasitária. Os químicos então isolaram a quinina desta planta e, até recentemente, o seu derivado era o nosso medicamento antipalúdico mais importante. No entanto, o isolamento da molécula e seu único tratamento levou ao aumento da malária resistente à quinina. Por sorte, o conhecimento tradicional da planta veio ao resgate com a artemisinina. Este composto foi descoberto pelo prêmio Nobel de 2015, Tu Youyou, quando consultou um texto medicinal chinês de quase 2.000 anos que descrevia métodos para extrair a planta Artemisia annua.
O documento sugere que usar o conhecimento indígena para o desenvolvimento de medicamentos é mais importante agora do que nunca. Por que?
de la Parra: Há muitas razões pelas quais a medicina vegetal é tão importante neste momento. O trabalho de Cassandra se concentrou no aumento alarmante de infecções resistentes a drogas – infecções para as quais não temos tratamentos efetivos. As drogas derivadas de plantas apresentam o potencial de novos patamares cuja história de uso seguro e efetivo é frequente. Eu tendo pensar sobre o meu trabalho por uma perspectiva ampla. Uma população global em rápida expansão com disparidade econômica sempre crescente levou a desigualdades chocantes no tratamento médico. No Ocidente, as empresas farmacêuticas concentraram-se mais nas doenças crônicas e menos na melhoria dos tratamentos para infecções agudas que tendem a afetar o mundo em desenvolvimento. Muitas dessas áreas do mundo também contam com tratamentos tradicionais de plantas. A etnofitotecnologia é uma chance para a experiência combinada – forças de mecanização e biotecnologia do ocidente combinadas com os milhares de anos de ricos conhecimentos etnobotânicos do mundo em desenvolvimento – para encontrar e desenvolver medicamentos eficazes para doenças de outra forma negligenciadas. Isso tudo em um momento que vemos essas mesmas doenças se espalhando pelo mundo apesar das fronteiras artificiais – pense nas doenças Zika, Ebola e Chagas, por exemplo.
Quave: estamos entrando em uma nova era da medicina – em que compostos antibióticos previamente úteis estão perdendo sua capacidade de tratar efetivamente infecções microbianas. Embora recentemente adotamos mais e mais a química sintética para a geração de medicamentos importantes, a humanidade compartilha uma longa e extensa história na qual a natureza foi a principal fonte de curas para várias doenças. A vantagem da inovação da etnofitotecnologia – representada pela fusão do conhecimento tradicional com o avanço tecnológico – será uma maior capacidade de aproveitar os recursos da natureza para produzir de forma sustentável grandes quantidades de novas entidades químicas para preencher as vias de descoberta de drogas no futuro e atender melhor às necessidades médicas emergentes.
Como é possível assegurar que as populações e práticas indígenas não serão prejudicadas pelo campo biomédico?
de la Parra: como um etnobotânico, alguém cuja preocupação é a honra e a preservação do conhecimento das plantas humanas, esta é uma grande (e principal) preocupação. Em primeiro lugar, deve-se reconhecer que o recorde histórico está cheio de relatos de comunidades indígenas que foram atacadas, destruídas e sistematicamente desmanteladas por interesses gananciosos. Então, a comunidade internacional deve concordar e fazer cumprir regulamentos para proteger pessoas, conhecimentos e culturas indígenas. O Protocolo de Nagoya é um primeiro passo importante para que pesquisadores individuais e corporações sigam, mesmo que o país de origem não seja signatário. Ele estabelece padrões importantes para pesquisadores e proteções para comunidades indígenas.
Por que você entrou nesse tipo de pesquisa? Qual é a sua inspiração para a etnobotânica e a etnofitotecnologia?
de la Parra: Eu cresci em uma fazenda no Alabama, onde vivíamos intimamente com as plantas e confiávamos nelas para muitas coisas. Lembro-me do meu fascínio do uso de plantas como remédio por influência de minha avó. Quando comecei as minhas atividades acadêmicas, muitas vezes sentia que a comunidade científica era cética da ideia da medicina derivada de plantas. E com sinceridade, tem havido muita informação errada disseminada sobre remédios vegetais. A biotecnologia fornece rigor, precisão e reprodutibilidade para ajudar a dissipar a apreensão científica sobre tratamentos derivados de plantas, e é por isso que trabalho na interface entre a etnobotânica e a biotecnologia.
Traduzido por Essentia Pharma
Referência: Kreider RB, et al. International Society of Sports Nutrition position stand: safety and efficacy of creatine supplementation in exercise, sport, and medicine. Journal of the International Society of Sports Nutrition. 2017. Doi:10.1186/s12970-017-0173-z
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